O Código Florestal do Brasil é para valer?

O prazo para preencher o cadastro ambiental rural fechou com 80% da área registrada. É um sinal de que a conservação precisa ser vista como aliada do produtor, e não o contrário.

desmatamento-no-mato-grossoAndando por esse Brasil, o que se escuta rotineiramente no meio rural é que cumprir as leis ambientais é muito difícil. Dizem que é caro, que os órgãos não respondem no tempo devido e que as regras mudam toda hora. Embora essas percepções possam ter algum fundamento na experiência do produtor, basta uma análise mais contextualizada para que se entendam as diversas responsabilidades que incidem sobre essas questões.

Sobre o custo da adequação, é preciso lembrar que o Código Florestal existe desde 1934, mas sua efetiva implementação sempre foi um certo faz-de-conta. É certo que se tivéssemos internalizado a preservação da vegetação nativa dentro dos fluxos de caixa das atividades ao longo dos anos, essa conservação hoje geraria lucros. O desequilibro ambiental causado pela destruição além do estabelecido pela lei é algo absurdo, e a conta vem na forma de maiores custos com agroquímicos, por exemplo. Além disso, esse desequilíbrio já se faz sentir na mudança do clima local e regional – a escassez de chuvas ou outras alterações do ciclo das águas têm se acentuado, gerando prejuízo por quebras de safra (veja exemplo do milho esse ano em MT). Normalmente o produtor não põe esse prejuízo na conta do desequilibro ambiental, mas isso fica cada dia mais evidenciado pelas pesquisas em todo mundo. Ou seja, a conservação prevista no Código Florestal, precisa ser vista muito mais como aliada do produtor, e não o contrário.

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Sobre a resposta dos órgãos ambientais, é consenso geral que esses precisam ser fortalecidos cada dia mais, com técnicos mais capacitados, com fluxos de processos mais eficientes e com conselhos estaduais que possam de fato fiscalizar em nome da sociedade os excessos ou as omissões praticadas nos órgãos. Nesse sentido, radicalizar a transparência pode ser a chave de toda transformação que queremos ver nos órgãos ambientais. Não há justificativa – em pleno século XXI – para termos processos tramitando em obscuridade pela burocracia dos órgãos. Promover a transparência como valor central da gestão ambiental, com o auxílio da tecnologia da informação, levaria esses órgãos para outro patamar de desempenho, pois a salvaguarda estaria na fiscalização por toda sociedade e pelos produtores, inclusive. No entanto, o valor da transparência ainda parece fora de moda em nosso país quando a pauta é florestal, pois vejam o caso do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Quantos são os estados da federação que disponibilizam para o público (e mesmo para os municípios), os dados do CAR? Praticamente nenhum. Como a sociedade pode fazer algum controle social, sem ter acesso aos dados?
Por fim, sobre a sensação de que as leis ambientais sofrem constantes mudanças, essa é outra afirmação que não resiste a um exame mais aprofundado mas que segue sendo motivo de desconfiança entre ambientalistas e ruralistas, com o perdão do uso dessa dicotomia tão ultrapassada. De fato, faz parte da democracia a mudança na legislação quando já não se mostram eficientes. No entanto, no caso do Código Florestal (ou CF), após um período de longo embate no Congresso Nacional tivemos em 2012 a aprovação da sua nova versão (lei 12.651/12), substituindo a versão anterior de 1965. Foram 47 anos de estabilidade de uma legislação que tinha um nível relativamente baixo de implementação. Isso não pode ser considerado mudança constante sob nenhuma ótica.

Entre as alterações promovidas pelo novo Código, uma das mais importantes foi a criação em nível nacional do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Na prática esse é o instrumento que vai de fato possibilitar a verificação se o código está sendo cumprido. Ou seja, ele deve ser priorizado, requisitado por todos os que lidam com produtos agropecuários, pois ele será o recibo que atestará se o produto x ou y que compramos no supermercado está legal sob o ponto de vista ambiental. Pois bem, a lei foi clara de que quando instituído esse cadastro, o que ocorreu em maio de 2014, haveria 1 ano para adesão de todos os produtores, podendo haver somente mais 1 ano de prorrogação. O prazo, depois de prorrogado por um ano, terminou dia 5 de maio. O saldo é de mais de 3 milhões de imóveis rurais cadastrados, totalizando mais de 80% da área cadastrável do país ou cerca de 330 milhões de hectares.

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Houve certamente quem esperasse até a última hora, contando com uma nova prorrogação geral do prazo, mas o governo surpreendeu positivamente estendendo os benefícios apenas para a agricultura familiar. Para estes, a lei previa o oferecimento de ajuda do estado para confecção do CAR – o que infelizmente não aconteceu a contento em algumas regiões.
Depois de dois anos de prazo, uma prorrogação geral seria uma péssima indicação sobre a seriedade da implementação do CF nesse país. Parafraseando a expressão popular, não tem como mais “empurrar com a barriga”! Ou de fato avançamos com passos robustos nessa implementação ou não irá adiantar o país fazer promessas na ONU sobre suas intenções de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2030. O cumprimento do CF é parte crucial do cumprimento do acordo de Paris que deve ser ratificado ainda em 2016. Ou seja, a implementação do código florestal saiu da esfera doméstica e seu cumprimento revela também a viabilidade das metas prometidas pelo governo no acordo internacional do clima.
O CAR continuará aberto para quem quiser se cadastrar após o dia 5 de maio. Mas apenas aos proprietários de imóveis rurais menores que quatro módulos ficais serão garantidos os benefícios previstos no código. Não prorrogar o CAR de forma geral é um gesto muito simbólico que demonstra seriedade para aquele produtor que cumpriu a lei de boa-fé. O país anda precisando de bons exemplos vindo do Planalto Central. A hora de mostrar se o Código Florestal é para valer é agora.

Andrea Azevedo é diretora adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e Cristiano Vilardo é diretor sênior de Política e Estratégia Institucional da Conservação Internacional (CI-Brasil).

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